sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Faca, Ronaldo Correia de Brito

Faca

Irene moía o milho. Repetia um ofício milenar, aprendido de outra mulher como ela, que também aprendera de outra, substituindo o grão a ser triturado, celebrando o trabalho nos mesmos movimentos de mãos, braços e tronco. Gestos arcaicos, que a tornavam iguais a milhões, semente de um saber que se tornava ciência pela repetição. As pedras atritadas salmodiavam uma cantilena monótona, lembrando a dos bilros nas almofadas e a do fuso fiando o algodão cru. A tarde sucedia a manhã e de noite não havia sol. Assim sempre tinha sido e assim sempre seria. O mundo se alimentava dessa ordem simples e a vida de Irene entrava nessa ordem. Havia a casa para cuidar, redes para tecer e o marido que chegava sem ser esperado. Talvez trazido por aquele tropel que ela começava a ouvir.

(Faca, p. 155)

Minha primeira leitura do desafio desse mês, cujo tema é contos, foi Faca, do Ronaldo Correia de Brito.

Foi uma escolha fácil: minha irmã tinha esse livro e eu já me interessava por ele, por ter um tom regionalista que costuma me agradar.

Desta vez não foi diferente. Adorei como o autor retratou o mundo rural do Nordeste brasileiro, uma sociedade de costumes tradicionais, patriarcal, que dá muita importância à família e à honra.

No conto Mentira de amor, por exemplo, vemos uma mulher e suas filhas vivendo trancadas em casa. Apenas o marido tem a chave de casa e pode sair, as garotas simplesmente aceitam a condição e vivem do jeito que podem, já que a mãe ainda sofre com a morte de uma de suas filhas.

A linguagem dos contos também me agradou. Por ser um livro de contos, acredito que as palavras em geral têm que expressar mais do que em romances. Tanto que atualmente eu tenho gostado mais de contos por isso, tenho mais facilidade em entender o que o autor quer passar. Considero o livro é bem escrito, transmitindo as histórias de modo coerente.

A edição, da Cosac Naify, é bem feita. No início de cada conto há ilustrações da Tita do Rêgo Silva que lembram as xilogravuras dos cordéis.

Enfim, eu recomendo o livro para quem gosta de livros regionalistas. Se você não gosta muito de contos ou não conhece muitos, por que não tentar esse livro?

2 comentários:

  1. Que bom que você gostou do livro! (que eu preciso reler, porque a memória tá problemática... xD)

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  2. Gostei bastante do aperitivo textual...dica anotada!

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