sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sobre diversidade na literatura

No início do meu blog, fiz um post discutindo sobre qualidade e quantidade em relação à leitura. Algumas coisas mudaram no meu modo de pensar — eu tinha quinze anos quando fiz o post —, e hoje eu sou bem menos tolerante com pessoas elitistas com literatura — embora eu mesma tenha comportamentos esnobes às vezes, é verdade. Mas o assunto do post de hoje não é esse, era para eu ter usado o gancho do post antigo para dizer que vou tentar voltar a fazer posts discutindo alguns assuntos. Porque se antes tinha a comunidade do Skoob no Orkut para me fazer pensar sobre literatura, hoje temos grupos no Facebook, além de posts de discussões em blogs, ou artigos de jornal que chegam na minha tela pelo Twitter.

Vale avisar antes de ir para a discussão que, obviamente, o post reflete a minha opinião, e não alguma verdade universal. Discorda em algum ponto? Que bom, podemos conversar sobre isso nos comentários, se você quiser.

Bom, uma discussão que está muito em pauta atualmente é a de diversidade na literatura — especialmente em livros para jovens adultos (YA). Vi vários blogs brasileiros falando sobre o assunto e sobre a campanha #weneeddiversebooks. E sou a favor da campanha, sou a favor de ler livros diversos. Mas fica a questão: será que quem apoia a campanha está procurando ler livros diferentes, com protagonistas pertencentes a minorias, sobre outras culturas? Porque eu tenho a impressão de que muita gente não. As pessoas estão esperando que um livro diferente vire best-seller do nada e daí elas conheçam e queiram ler. E isso raramente acontece, porque livros são produtos, e as leis de mercado atuam sobre eles, etc. É um ciclo vicioso: livros diversos não dão muito dinheiro > as editoras não traduzem ou lançam livros assim, ou lançam com pouca publicidade > as pessoas não compram porque não procuram conhecer > livros diversos não dão muito dinheiro, e assim vai se repetindo.  

E é claro que a campanha é importante, para fazer a gente, as editoras e os autores pensarem mais sobre isso. Mas os leitores podem ter o maior papel nisso: quanto mais a gente consome livros diversos, mais eles vão ser lançados. E já temos vários livros diferentes sendo lançados no Brasil, é só ir atrás deles. Para quem lê YA, por exemplo, tem os livros da Natsuo Kirino, como Grotescas, sobre personagens japonesas, ou O garoto da casa ao lado, que se passa em Zimbábue. Eles não são considerados YA, provavelmente pelas diferenças culturais, mas os personagens são jovens.

As diferenças culturais podem dificultar um pouco a leitura, mas poucos livros com personagens de minorias não vão falar sobre isso ou sobre opressão — em livros sobre negros ou homossexuais, por exemplo, é pouco provável que o preconceito que eles sofrem não seja abordado de alguma forma. E é importante que ele seja abordado, já que os livros tentam ser realistas — a não ser, é claro, que seja um distopia ou uma história de fantasia. Inclusive acho que distopias ou livros pós-apocalípticos são a melhor forma de incluir personagens não brancos quando o escritor é branco, porque não precisa necessariamente incluir uma parte cultural sobre outra etnia.

Eu, particularmente, sou bem chata com escritores falando sobre minorias ou culturas às quais eles não pertencem. Não li Eleanor & Park ainda, mas vi algumas críticas falando que o modo de retratar o Park e a sua família é um pouco racista. Em Let it snow, fiquei muito incomodada com o fato dos dois personagens coreanos serem estereótipos de nerds virjões (não vi mais ninguém reclamando sobre isso, mas eu, como descendente de japoneses de um lado da família, sou meio sensível em relação a temas asiáticos) . Gostei bastante de Vaclav & Lena, mas fiquei meio mal quando vi que muitos imigrantes russos reclamaram do jeito que foram retratados.

Isso significa que escritores só podem falar sobre a própria realidade? Não, mas eu acho que tem que tomar muito cuidado ao escrever sobre realidades de outras pessoas, especialmente se estas são oprimidas de alguma forma. O que me leva à conclusão de que a gente precisa procurar por livros diversos de autores diversos. Não adianta muita coisa ter uma variedade de personagens sendo que todos são escritos por brancos cis héteros ricos americanos. E uma coisa que me incomoda bastante na campanha americana pelos livros diversos é que a maioria das sugestões é de livros do Estados Unidos. Algo do tipo: quer ler um livro sobre o Brasil? Que tal ler um que uma autora americana escreveu sobre o Brasil sem nunca ter visitado o país? Queridos americanos, existe algo chamado tradução, e vocês poderiam incentivar o uso dela, quem sabe…

(espaço para desabafo: em Anna and the French kiss, uma professora de inglês diz que os americanos não leem literatura estrangeira porque eles gostam de consumo rápido, e romances estrangeiros têm um ritmo devagar e uma história com mais camadas. Mas isso é uma generalização absurda! Além de colocar a literatura americana como rasa, a professora coloca tudo que é estrangeiro como mais reflexivo, e isso nem sempre é verdade. Para a pessoa da própria cultura que está lendo o livro, ele não é necessariamente  profundo.  E e óbvio que existem livros de consumo rápido em outras culturas. É mais difícil que eles cheguem aos Estados Unidos, mas uma vez que virem best-sellers, são logo traduzidos. Como eu já disse, existem barreiras culturais que podem dificultar a leitura de algo estrangeiro, mas nem sempre é algo tão complicado, especialmente agora que estamos vivendo na globalização, e conhecemos ou podemos conhecer um monte sobre outras culturas…)

Se é importante que todo tipo de pessoa possa se ver refletido na literatura, é importante também que qualquer um possa se ver em um escritor. De forma que uma criança negra que vive no Brasil, por exemplo, possa se ver como heroína de várias histórias e também, se quiser, escritora do que desejar. Eu acho que muitas vezes dão importância demais aos personagens e poucas aos escritores. É claro que o escritor de uma minoria não precisa falar só sobre ela, mas de qualquer forma saber que ele existe, que ele faz sucesso, já pode ser inspirador para as pessoas daquela minoria.

Então, para terminar o texto, acho que é importante que a gente converse sobre diversidade na literatura e procure mais livros de pessoas diferentes, porque eles existem, mas muitas vezes estão escondidos. Sim, já tem muitos livros interessantes e não diversos por aí, mas acho que dá para intercalar leituras, e buscar sempre que puder uma variação. 

Um comentário:

  1. Sim, faça mais post com discussões, por favor! :3
    Concordo com você em quase tudo, também me irrito com essa americanização da literatura e acho que nós leitores devemos ir mais atrás de livros com diversidade em vez de ficar só reclamando da falta deles.

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