quinta-feira, 12 de março de 2015

Hibisco roxo, Chimamanda Ngozi Adichie

Hibisco roxo

Mesmo assim, Jaja sabia o que eu comia de almoço todos os dias. Havia um menu colado na parede da cozinha, que Mama mudava duas vezes por mês. Mas ele sempre me perguntava o que eu tinha comido. Com frequência fazíamos perguntas cujas respostas já sabíamos. Talvez fizéssemos isso para não precisarmos formular as outras perguntas, aquelas cujas respostas não queríamos saber.

Foi por um acaso que o primeiro livro da Chimamanda Ngozi Adichie que li foi Hibisco roxo. E que acaso feliz! Tenho a impressão de que foi o livro certo para conhecer a obra da autora, já que é o primeiro romance dela. Minha ideia inicial era ler Meio sol amarelo, apenas por ser o primeiro livro da autora que conheci, e o que me despertou a vontade de ler algo da escritora. Mas acabei deixando a leitura para depois, e nesse meio tempo ela lançou Americanah e ficou bem mais conhecida no Brasil, despertando mais ainda minha vontade de ler.

Quando finalmente eu e minha irmã decidimos de uma vez por todas ler algo da Chimamanda, não havia Meio sol amarelo na biblioteca. Então, acabamos lendo Hibisco roxo, livro que conta a história do amadurecimento de Kambili, uma jovem nigeriana. Ela é filha de um homem de grande poder econômico que, apesar de ser considerado uma pessoa notável pela comunidade por sua resistência política e ajuda aos necessitados, é violento e intolerante em casa. Kambili está acostumada com sua vida regrada e silenciosa, mas quando passa a conviver mais com sua tia Ifeoma e seus primos, ela vê uma nova realidade. Realidade essa que, mesmo mais pobre, é libertadora para a garota.

Eu queria saber escrever bem sobre quando gosto muito de um livro, ter críticas bem desenvolvidas falando de suas qualidades, mas isso é um pouco difícil para mim. Quando um livro me toca, ele simplesmente o faz, sem tantos motivos racionais para isso. E Hibisco roxo me emocionou de uma forma que faz muito tempo que um livro não fazia. Não sei se é algo por trás da minha identificação com Kambili, de ver a minha insegurança e timidez nela mesmo com realidades familiares e sociais tão distintas, ou pelo fato de Chimamanda escrever tão bem, de um modo que a gente simplesmente entra no livro e entende tudo o que os personagens sentem. Provavelmente, é pelos dois motivos. O fato é que eu devorei o livro mais rápido do que pretendia, embora o final não tenha me animado tanto quanto o meio.

Mas Hibisco roxo não é só a jornada emocional da sua protagonista. É também um livro com críticas sociais e políticas fortes. O livro fala de colonização, de questões religiosas, de corrupção. A Nigéria, tão distante de nós, tem vários aspectos que lembram o nosso país. E é por isso que gosto de ler sobre outras realidades: além de ver as diferenças culturais, vemos também as semelhanças. Todos os livros, afinal, falam sobre humanos, de uma forma ou de outra.

Avaliação final: 4,5/5

Para conhecer mais sobre a obra da autora, recomendo a leitura desse post da Revista Pólen. E, aproveitando a discussão da Chimamanda sobre o perigo de uma história única para fazer um dos meus desabafos antiamericanos, o que dizer do Goodreads, que tem uma tag chamada cultural? A definição é de que livros culturais mostram um lugar ou tempo e sua cultura (ué, me diga um livro que não se encaixe nessa descrição?), e a maioria dos livros da categoria é estrangeira ou sobre personagens não brancos. Ou seja, segundo essa visão, livros sobre americanos brancos não são sobre cultura, são só livros, enquanto os estrangeiros se tornam representantes do país ou continente em questão… Não sou contra separar livros por nacionalidade, se fosse não estaria fazendo a volta ao mundo em 80 livros, mas separar livros como “cultural” é um tanto idiota e segregacionista.

De qualquer jeito, eu sigo na vontade de desfazer mais histórias únicas, e indico Hibisco roxo para quem quer fazer o mesmo.

2 comentários:

  1. Adorei sua resenha! Também acho que Hibisco Roxo foi o livro certo para começar a ler Chimamanda. Estou ansiosa para ler os outros (gosto de autores que ainda não publicaram tanto livros porque dá para tentar ler todos).

    Nunca tinha prestado muita atenção na tag "cultural", também acho essa uma separação inadequada.

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  2. Tentei comprar Hibisco Roxo na última compra que fiz na Amazon, porque o preço estava bom, mas tinha esgotado e acabei comprando Americanah que estava em promoção. Já comecei a ler, mas ainda não deu para formar uma opinião sobre. Espero muito que as expectativas sejam correspondidas! :)

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